afrofile - Educação e Memória afro-brasileira

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Lei 10.639 - 20 anos

Foto: Reprodução/Fundação Palmares

A educação, na história do Brasil, foi alvo de um projeto político e social que excluiu, durante todo o período escravista – e parte do período republicano –, pessoas negras (pretas e pardas) de seu direito de ascender socialmente, tornando-se um dos elementos de luta e reivindicação que, gradativamente, foi sendo conquistado por essa parcela da população e seus movimentos.

Desde então, o conceito de "educação" compõe não só as pautas do movimento negro, mas, também, os estudos pedagógicos sobre a história do País. Uma vez que, após a abolição da escravatura, o povo negro ficou relegado à exclusão educacional, à mercê da caridade religiosa para aprender a ler e escrever – e, assim, galgar com muito sacrifício as vagas nas universidades brasileiras –.

Nos anos 30, alguns dos injustiçados tiveram a sorte de integrar o projeto educacional da Frente Negra Brasileira, de importância indiscutível na história da alfabetização de crianças, jovens e adultos que só assim tiveram acesso às escolas construídas em várias capitais do território pela promoção da educação do povo negro.

Posteriormente, ao se deparar com a narrativa institucional do Brasil, o povo negro viu suas histórias de vida, de lutas, suas culturas (e de seus ancestrais) resumidas a um único capítulo: o da escravidão. Todos os seus saberes – imprescindíveis desde as incursões bandeirantes até a estruturação do projeto de Nação Brasileira – foram omitidos do livro de História; da literatura escolar; de qualquer outro material destinado à formação das nossas primeiras diretrizes nacionais para a educação básica.

A luta inicial do povo negro, liberto do regime escravista, era pelo direito à educação. Alcançado esse direito, a luta avançaria por alguma representatividade dentro da História brasileira. Já que ele não só “contribuiu”, como muito se fala e até versa a própria Lei, mas constituiu a história nacional.

Os povos vindos do continente africano, seus descendentes escravizados, o negro brasileiro liberto ou nascido livre, o mestiço, bem como as populações indígenas e seus descendentes, são parte indissociável de cada fato que compõe a história da colonização. Foram esses grupos que fizeram nascer, com seus próprios corpos, mentes e sangue, a Primeira República Brasileira.

Portanto, é falho, esse projeto de nação que usurpa a cidadania da maior parcela do seu povo, reproduzindo a desigualdade no acesso à educação, omitindo sua presença, bem como seus feitos e seus heróis, dos registros da própria História. E falha por estar fadado ao conflito e às desigualdades socioculturais.

Esse projeto é o responsável pelas estatísticas atuais que comprovam o racismo estrutural ao qual a nação se submete. Combatido nas lutas em prol de políticas de reparação, dentre elas, no campo da educação, a instituição da Lei 10.639.

Até então, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB nº 9.394), sancionada em 1996 para estabelecer as bases da educação nacional, prevê que o “ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia” (Art. 26 § 4º). No entanto, essa diretriz, em nada, mobilizou a inclusão dos Povos Originários na história oficial do País, nem ao menos gerou mudanças nos materiais didáticos, metodologias ou mesmo conteúdos práticos propostos no currículo escolar.

Após muitos debates, tanto de intelectuais e movimentos negros do Brasil quanto de reivindicações pelo compromisso direto do Governo Federal e do Ministério da Educação com o tema, é sancionada a Lei n. 10.639/03, alterando os artigos 26-A e 79-B da LDB, o que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental e Médio, em todo o País.

Dessa forma, o conteúdo dos Ensinos Fundamental e Médio passou a incluir, obrigatoriamente, o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos povos negros, bem como suas culturas na formação da sociedade brasileira, significando a restituição e valorização desses grupos, reconhecendo suas presenças imprescindíveis nas áreas social, econômica e política da História brasileira.

Esse ato não apenas repara o direito de pessoas africanas de constarem nos registros oficiais da História, mas, também, valoriza seus descendentes, elucidando fatos importantes das suas lutas contra a opressão do regime escravocrata. Esse ato empodera seu povo, valoriza seus corpos, enriquece sua história cultural e política enquanto nação, pretendendo impedir a perpetuação de um ciclo estruturalmente racista, levantando o tapete do desconhecimento e da desinformação.

Estudar essa História brasileira valoriza a juventude negra; oportuniza suas condições de exigir direitos e reparações; equipa crianças e jovens para defender o seu legado histórico-cultural e socioeconômico dentro da sociedade. Eis o fruto da educação afrocentrada, que teve seu maior impulso gerado pela Lei 10.639, há 20 anos em vigor.

É claro: esse resultado só é possível quando as diretrizes legais são realmente seguidas e praticadas. É sabido, também, o enorme desafio que enfrentam os profissionais formados anteriormente à Lei, pois mesmo frequentando escolas e universidades, não tiveram acesso aos estudos e literaturas-base para a efetivação do projeto reparatório.

Nesta direção é que caminhamos, nós do Afrofile, quando almejamos, junto a outros profissionais parceiros, colocar mais um tijolo na construção desta rede de conhecimento, que pouco a pouco se aprofunda no repositório de saberes, uma vez, silenciados. Existimos para fomentar os trabalhos educacionais nas instituições de ensino da cidade de São Paulo e, futuramente, do País.

Queremos fazer parte da incessante luta por mudança. Porque a Lei, sem sua efetiva aplicação, é letra morta.

Almejamos o aprofundamento nos temas da luta negra; o acesso aos conhecimentos invisibilizados; a democratização de práticas e projetos das instituições de ensino.

Somos movidos por um futuro em que não seja mais necessária a narrativa da História Afro-brasileira – como um “capítulo” à parte –, mas que sim, se fale da História brasileira, da qual as histórias negras são indissociáveis e inesquecíveis!

Referências

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