Betty Boop
Nos desenhos que a tornaram famosa, Betty Boop era uma personagem branca. Mas, a pessoa real que inspirou essa animação inesquecível era, na verdade, cantora negra, cuja interpretação nos palcos aguçou a criatividade do cartunista Max Fleischer, fazendo nascer a personagem.
BETTY BOOP
Sobram controvérsias e faltam fontes para contar a verdadeira história por traz de uma das mais conhecidas personagens femininas do mundo da animação, Betty Boop. O que, com certeza, todos os artigos e referências trazem como confirmado, é que a inspiração para sua criação partiu de uma mulher negra totalmente esquecida, ao ponto de não haver nenhuma confirmação sobre o seu nascimento ou sua morte.
Alguns, que não chegaram na profundidade total do tema, já trouxeram a controvérsia entre a atriz do cinema mudo Clara Bow, conhecida como modelo para a personagem, e à cantora e atriz Helen Kane, que reivindicou a inspiração dos trejeitos e voz serem pautadas em seu estilo.
Mas, longe de ser uma desconhecida, a verdadeira inspiração para a personagem foi um gr estilo e a aparência de Betty Boop não se originaram dela, mas de uma cantora negra dela que também levou sua imagem e seu jeito peculiar de cantar. Esta é a história de Esther Jones, a mulher negra por trás de Betty Boop que caiu no esquecimento.
Diferente das mulheres da alta sociedade branca norte-americana, Boop fez sucesso e trouxe a expressão corporal das mulheres negras do universo do jazz. Com seus cabelos curtos, vestidos acinturados e um posicionamento livre do ponto de vista da sexualidade, da liberdade de escolha profissional e econômica. Que por vezes era visto como provocativo, perante os olhares dessa sociedade branca machista e pseudorecatada. Público majoritário dos cabarés e teatros noturnos.
Assim como a sociedade, nas casas de shows, a representação das mulheres do meio artístico, em especial as mulheres negras, era desse símbolo de tentação. Ao qual os criadores de Boop não se distanciaram. Evidenciando muito mais o seu corpo (pernas desnudas, cinta-liga à mostra, decotes atraentes e lábios formando um biquinho convidativo) com o fito de transmitir essa ideia malícia e inocência ao mesmo tempo. Um estereótipo feminino que perdura até os dias atuais e por vezes esconde desvios comportamentais de quem consome esse tipo de perspectiva sobre o corpo feminino.
Betty Boop nasceu em 1930, produzida pelos animadores Max Fleischer e Grim Natwick. Sua primeira aparição foi no curta-metragem Dizzy Dishes, a sétima edição de Talkartoons, uma série de curtas de sucesso da Paramount Pictures.
Nesse original, a personagem animada era um humanoide, um ser antropomórfico, uma mutação entre um cachorro (que era o personagem principal da animação) e uma mulher. Com nariz preto, semelhante a um focinho, orelhas largas e caídas.
Betty Boop foi redesenhada como uma personagem humana, em 1932, no desenho Any Rags. Suas orelhas moles de poodle se tornaram brincos de argola, e seu nariz preto canino passou a ser nariz humano. Mas, logo na estreia, o que era pra ser apenas um personagem secundário, escada para o cachorro Bimbo, protagonista. Gerou um enorme fascínio do público, pela entrada musical inesquecível, e passou a ser a heroína da história. Deixando o cão Bimbo em segundo plano, como seu fiel amigo de estimação.
Essa reviravolta obrigou o estúdio da Paramount Pictures a redesenhar a animação. E, apenas um ano depois, sua imagem mudou tornando-se completamente humana. Fica nítido então que a razão do sucesso de Boop, mesmo com esse início artístico nada convidativo, estava na trilha sonora recheada de preciosidades do jazz.
Tenho como ápice do sucesso o "Boop-Oop-a-Doop-Girl", executado por Helen Kane. Que emplacou outra centena de produções com a mesma repercussão como “Betty Boop for President” (1932), “Bambo Isle” (1932) e “Riding the Rails” (1938), que culminaram na conquista de um Oscar.
Então a voz e o estilo que marcou essa personagem, para além dos atributos físicos, personificada por Helen Kane, seria a verdadeira inspiração de Betty Boop?
Foi exatamente o que alegou a atriz nos tribunais, em 1932, quando acusou Max Fleischer de roubar sua personalidade artística, ao apresentar o primeiro curta-metragem Betty Boop. Resultando numa batalha judicial em que exigiu uma indenização de US$ 250.000 à Paramount e a Fleischer.
Além de alegar a cópia do seu visual, Kane argumentou também que a personagem imitava o estilo de voz suave, o sotaque do Brooklyn e o “Boop-oop-a-doo”, que ela teria inventado e alegava direitos exclusivos. Relatos contam que no julgamento, que durou mais de duas semanas, foi crucial o testemunho das atrizes que deram voz a Betty Boop (Bonnie Poe, Kate Wright, Margie Hines e Mae Questel) e do empresário da atriz, Lou Walton, revelando que ele mesmo a treinou para cantar como as cantoras de jazz afro-americano que usavam a improvisação vocal conhecida como scat.
Fleischer e as dubladoras argumentaram que Beth Boop não era baseado em Kane, mas numa mistura de várias artistas, em especial Baby Esther. Uma cantora de jazz do Harlem que se apresentou no famoso Cotton New Clube de York na década de 1920. Cujo nome artístico era Baby Esther devido seu estilo único de cantar, usando sons de bebê e “boops”. Estilo visto e assimilado por Helen Kane, em 1928, após uma de suas visitas ao Cotton New Clube, assistindo Baby Esther no cabaré e mudando suas expressões "boo-boo-boo" e "doo-doo-doo" para "boop-boop-a-doop" na gravação que a deixou famosa: "I Wanna Be Loved By You". Kane nunca admitiu esse fato publicamente, mas perdeu a batalha judicial que culminou com sua desmoralização pública.
Quem foi então Esther Jones?
Little Esther Jones, ou Esther Lee Jones como foi registrada, cantora, atriz, dançarina e acrobata mirim, agenciada pelos pais, que conquistou a fama internacional devido seu modo único de cantar e suas improvisações vocais nos palcos de Chicago. Precursora do "doo-doo-doo to boop-boop-a-doop", que percorreu o mundo, inclusive chegando ao Brasil com seus trejeitos faciais, em turnê nos anos 1920.
Um prodígio contratado precocemente pela FOX para o curta metragem Fox Movitone Follies, 1929 onde aparecia dançando um ritmo musical criado por ela, o Breakway. Inclusive com o privilégio de alguns números terem sido filmados em cores. Algo raro e caro para a época.
Em seguida, devido ao grande sucesso de exibição na Europa, estreou também nos palcos do Molin Rouge (França, 1929). Além de se apresentar para os reis da Espanha e Suécia, durante sua bem-sucedida temporada.
Em 1931 a pequena menina negra prodígio fez turnê pela América do Sul, chegando no Brasil, como uma das primeiras atrações internacionais norte americana em nossos palcos. Contratada pelo Cinema Eldorado do Rio de Janeiro para se apresentar ao vivo antes das exibições cinematográficas, acompanhada pelo conjunto Gordon Sttreton Jazz, e recebida com honras pelo então presidente Getúlio Vargas.
Não há confirmação exata da idade de Esther. Veículos falam em 11 outros em 13 anos, mas era muito comum alterar a idade de artistas mirins para mais ou menos de acordo com as ocasiões e leis de cada país quanto ao trabalho infantil. Até porque não se tem confirmação da sua data de nascimento exata, provavelmente entre 1918 e 1921. Com data e local de falecimento totalmente desconhecidos.
No Rio de Janeiro foi autorizada a se apresentar, desde que deixasse a o teatro antes das 22 horas da noite.
Aproveitando-se do sucesso da pequena menina negra revista Eu Sou do Samba, estrelada por Aracy Cortes, anunciou um show seu. Mas que na verdade era com uma imitadora brasileira: Risoleta Costa. Que plagiou inclusive os figurinos. Forçando Little Esther ir ao tribunal brasileiro, para impedir que a revista utilizasse o seu nome. Mas, não impediu que Risoleta que também era uma criança, passasse a ser chamada de Little Esther Brasileira.
Por essa razão, resgatamos a história de Little Esther Jones, para devolver seu lugar de destaque como artista negra, afro-americana, inspiradora de uma das mais emblemáticas personagens femininas da indústria de animação mundial, Betty Boop.
Referências
“Celebrating the Life & Legacy of Esther Lee Jones - "baby esther"“ in https://www.fleischerstudios.com/babyesther.html
Betty boop a história das apropriações culturais por trás da origem da diva animada. Por Raul Siccalona, março 27, 2022. In https://artenocaos.com/divas-de-cinema/betty-boop-a-historia-das-apropriacoes-culturais-por-tras-da-origem-da-diva-animada/
Little Esther Jones, a estrela negra que inspirou Betty Boop. In https://www.memoriascinematograficas.com.br/2020/08/little-esther-jones-estrela-negra-que.html
1) Betty ainda como um poodle humanóide, 2) Betty Boop como a conhecemos, 3) Helen Kane, 4) Esther Jones ("Baby Esther"), a cantora e artista afro-americana do final da década de 1920 que serviu como a inspiração para betty Boop, 5) Clara Bow, 6) Betty Boop em um de seus famosos desenhos, com o palhaço Koko.
Montagem disponível na página do Facebook “História é”.
Primeira aparição de Betty Boop, 1930.
Helen Kane - I Wanna Be Loved by You (1928)
Baby Esther as she appeared in 1929 on the cover of the French weekly magazine "Vu."
Baby Esther Jones the Original Betty Boop